A Defensoria Pública de Bonito e o Ministério Público de Mato Grosso do Sul convocaram nesta quarta-feira (3) vítimas de violência obstétrica no município para denunciarem pela primeira vez os atos sofridos. O pedido acontece depois que o relato de uma mãe ganhou as redes sociais por expor momentos de desrespeito e descaso no parto de sua primeira filha.
Em nota oficial divulga nesta tarde, a defensora pública Thaís Roque Sagin Lazzaroto explicou que o pedido parte de “recentes casos de violência obstétrica registrados na Defensoria Pública de Bonito”. São pelo menos seis casos contra o mesmo médico.
A primeira denúncia foi feita em dezembro do ano passado. “Segundo suas declarações, o médico que a atendeu na rede pública praticou atos de violência obstétrica e erro médico, consistente no esquecimento de gazes no canal vaginal. Quanto a este caso, já fora ajuizada ação indenizatória na esfera cível”, afirma.
Em fevereiro deste ano, um novo caso, muito parecido com o primeiro, chegou à Defensoria. Era a história de Flávia Chaparro, que dias depois foi divulgada em um portal de notícias da região e rapidamente se espalhou pelas redes sociais.
A jovem também procurou a reportagem do Bonito + e contou detalhes dos momentos de desrespeito vividos. No relato, Flávia lembra que se preparou para o parto e criou um “plano de parto”, ao longo da gestação, “dentro das recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde) e sequer foi seguido.
Segundo ela, a situação ficou ainda pior depois do nascimento da filha, quando foi exposta e desrespeitada por conta da laceração do parto. Dias depois de receber alta, ainda descobriu que o médico havia esquecido gazes dentro dela. O parto aconteceu no dia 4 de fevereiro, mas veio a público depois de 14 dias.
“No caso desta assistida, o relato do parto foi divulgado por um portal de notícias e, com o impacto na cidade de Bonito, outras mulheres se manifestaram na rede social Facebook da assistida com relatos de violência obstétrica. Já ajuizamos a ação indenizatória”, explica a defensora pública.
Após a denúncia de Flávia, outras quatro mulheres procuraram atendimento na Defensoria Pública, via plataforma virtual, com relatos de violência obstétrica em tese provocados pelo mesmo médico, Iber Gomes de Sá Neto.
“Muitas pessoas não entendem o que é violência doméstica, por isso eu decidi denunciar, me expor. Fui muito criticada nas redes sociais, mas muitas mulheres me procuraram falando que sofreram o mesmo, me contaram os traumas que isso causo, mas que nunca denunciaram por medo”, relatou Flávia a reportagem.
Na nota divulgada nesta tarde, a defensoria afirmou que diante da relevância do tema, da quantidade de mulheres que se manifestaram e da necessidade de uma atuação estratégica, o Núcleo Institucional de Promoção e Defesa da Mulher expediu ofício à Secretaria de Saúde de Bonito solicitando informações e formulou denúncia contra o médico junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM).
“Nos reunimos com o promotor de Justiça Alexandre Estuqui e decidimos atuar em conjunto na apuração desses casos, ouvindo todas as mulheres que vivenciaram atos de violência obstétrica ou má prestação dos serviços médicos no momento do parto na cidade de Bonito”, pontua a defensora pública Thaís Roque Sagin Lazzaroto.
O outro lado
A reportagem também procurou o médico, que se defendeu das acusações. Segundo Iber Gomes de Sá Neto cada parto é uma situação e que acima de tudo deve prevalecer a decisão médica.
“Falam violência como episiotomia, mas quem vai saber se precisa ou não fazer um corte na vagina para o nascimento do bebê é o médico que está ali na hora do procedimento. Se ele corrige a contração com oxitocina, tudo isso é decisão médica, de quem estudou para isso e entende”.
Para Iber, a Defensoria de Bonito agiu “de má-fé” ao mencionar ação indenizatória no documento em que convoca as mães que se sentiram desconfortáveis durante os partos. “No meu entendimento isso pode despertar intenções erradas nas pessoas”. O médico defendeu ainda que a situação ganhou cunho político e gira em torno da discussão sobre parto humanizado, algo que ainda foge da realidade do hospital.
Segundo ele a defensora responsável pelo caso participa de um grupo que idealiza o parto humanizado. “Pode ver que a defensora que está ali faz parte daquele grupo Mães de Bonito. Ela defende muito o parto humanizado, mas agora você me diz: você acha que o hospital aqui é preparado para um parto humanizado? Tem enfermeira obstetra aqui? Não tem! Tem um núcleo individual para a mãezinha e o papai ficar junto? Não tem! Tem estrutura física, um médico 24 horas para ficar esperando, de braços cruzados, a parturiente chegar para fazer um parto assim, tem bacia, tem chuveiro, tem quarto, tem banheiro preparado? Não tem! Não estou culpando o hospital, o município ou qualquer que seja por isso, o mundo inteiro vive uma pandemia e o que mais vemos é hospitais entrando em colapso. Então vem acusar de não ser parto humanizado. Aqui não tem condições de se fazer um parto humanizado”.
Iber também se defendeu das acusações por erro médico. Ele explicou que as gazes supostamente deixadas nas pacientes são na verdade um procedimento normal e que todas são orientadas sobre a situação.
“Não são gazes esquecidos, são tampões para conter o sangramento e todas as pacientes são avisadas de que tem um tampão ali e que precisa tirar. Porque quando nasce o bebê tem um sangramento muito intenso e necessário estancar o sangramento. Quando aconteceu a situação ela não me procurou para fazer qualquer questionamento. Ela poderia ter me perguntando sobre isso, se não tinha entendido”.
Além de ser alvo de investigação no Ministério Público, Iber também passa por um processo administrativo dentro do Hospital Darci João Bigaton, onde os partos aconteceram.
Serviço – As mulheres que desejarem relatar tais atos a Defensoria e ao Ministério Público devem entrar em contato nos seguintes telefones: 3255-2307 ou 99258-4320.