ELAS MOVEM O MUNDO* – “Muitas vezes você vê as pessoas falarem: ‘acaba com esses pescadores, estes são só parasitas, só tiram da natureza, não repõem’. Eu estou cansada de ouvir isso. Ninguém vai lá e fala pro médico: ‘larga sua profissão de médico e vai ser pedreiro’. Ninguém vê alguém chegar no arquiteto e dizer: ‘agora você não é mais arquiteto, agora você vai carpir quintal’. Mas para nossa profissão de pescador, tem gente que sente que pode falar isso”. Esta é a fala de Nilza Bandeira, 55, que se tornou uma das principais lideranças pelos interesses dos pescadores tradicionais, ribeirinhos do Pantanal de Mato Grosso do Sul.
Nilza nasceu, foi criada e criou os filhos vivendo da pesca tradicional nos rios do Pantanal. Mas as políticas restritivas impostas pela legislação ambiental, ano após ano, dificultam a atividade da pesca artesanal – grande responsável pela sobrevivência de centenas de famílias de MS. Somente em Miranda, onde dona Nilza vive, estima-se que quase 200 famílias vivam exclusivamente da pesca artesanal.
Miranda tem pouco mais de 26 mil habitantes, então a quantidade de famílias afetadas pela pesca é considerável para a realidade local. Ciente desta importância econômica e social da sua classe, Nilza passou a chamar a atenção para a causa dos pescadores artesanais. Ela buscou apoios de entidades e organizações não governamentais que lidam com causas socioambientais do Pantanal, como o Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi).
Na organização, dona Nilza participou de um projeto chamado Barco de Letras, de alfabetização de pescadores ribeirinhos adultos. Ela melhorou sua capacidade de escrita e de leitura no projeto. “Sem saber ler é como se a gente fosse um cego no mundo”, diz dona Nilza.
Dona Nilza deixou “a cegueira” e ganhou voz. Passou a integrar fóruns de discussão sobre questões ambientais do Pantanal, tornou-se referência em sua comunidade. Depois que aprendeu a lidar com as redes sociais, ela passou a usar o espaço para chamar a atenção para a situação de sua atividade profissional.
“Eu tenho 54 anos, eu aprendi a ler e a escrever no Barco de Letras, alguns da minha família aprendeu a ler e a escrever assim, e tem outros que ainda nem aprenderam. Então como você vai falar para uma pessoa da minha idade que você vai me tirar da natureza, onde eu vivo, e me jogar lá na cidade?”, diz dona Nilza, que luta para que sejam desenvolvidas políticas públicas para pescadores artesanais.
Dona Nilza não quer sair de sua casa, que fica às margens do Rio Miranda – um dos principais rios da bacia do Pantanal. A força desta mulher pantaneira possibilitou que, recentemente, com o apoio do Ipedi, ela tivesse um projeto de produção de mel financiado por doadores.
Dona Nilza, que aprendeu a ler já adulta, tornou-se uma liderança comunitária e, agora, está diversificando a renda da família com produção de mel de abelhas do próprio Pantanal, onde ela, enfim, poderá continuar vivendo. É assim que ela move seu mundo.
ELAS MOVEM O MUNDO* é uma série de reportagens que o Bonito+ traz neste mês em que celebramos o Dia Internacional da Mulher sobre mulheres que transformam suas realidades e de suas comunidades, promovendo transformação no mundo em que vivemos