A morte de um bebê aos 9 meses levou quatro pessoas para a cadeia nesta quinta-feira (5) em Miranda. As investigações apontaram que a criança não resistiu a ferimentos provados ao longo de quatro meses em ritual espiritual. Os pais do menino e dois curandeiros de uma aldeia indígena da região foram detidos.
Em fevereiro o menino deu entrada no Hospital Regional de Miranda já sem vida. Diversas lesões e queimaduras foram encontradas no corpo dele. Todas as feridas estavam circuladas com tinta vermelha e cobertas por uma espécie de pó preto. Ele ainda possuía um terço com cruz de madeira envolto no pescoço. As circunstâncias “fora do normal” chamaram atenção dos funcionários e a polícia foi avisada.
Os investigadores descobriram que a criança foi levada ao hospital pelos pais e outros parentes, que afirmaram aos médicos que ela estava com “sapinho”. No primeiro atendimento, durante a triagem, a enfermeira constatou que o bebê já estava morto há pelo menos 40 minutos.
A atitude da mãe também chamou atenção. Ela entregou ao filho aos médicos como se ele estivesse vivo, manteve a tranquilidade ao passar o “diagnostico” do menino e omitiu as lesões, que só foram descobertas depois que a morte foi confirmada. As orelhas, braços e o tórax do bebê estavam com diversas queimaduras, aparentemente de cigarro. Cada uma delas era circulada com tinta vermelha.
O pior ferimento foi encontrado na virilha: um hematoma com três bolhas de queimaduras, também circulado de vermelho e coberto com pó preto. Os funcionários e médicos do hospital informaram a polícia que a criança não apresentava nenhum indício de “sapinho”. O laudo necroscópico concluiu que ela faleceu de infecção generalizada, provavelmente decorrente da lesão na virilha.
Além das lesões, a extrema frieza dos pais e parentes ao saberem da morte despertaram a desconfiança das equipes envolvidas no caso. Em apurações preliminares, os policiais ligaram a proximidade de festas religiosas típicas que envolvem sacrifícios e consagrações a entidades, como a presença da tinta vermelha e pó preto envolvendo as feridas das criança. A partir daí a investigação apontou a prática de ritual espiritual com a criança.
Em entrevistas, os pais deram informações contraditórias sobre as lesões e incompatíveis sob o ponto de vista médico. Chegaram a relatar que os ferimentos surgiram no mesmo dia e “do nada”. Com as apurações, eles confessaram que levaram seu filho a uma dupla de curandeiros da aldeia. Contaram que a criança foi submetida a rituais espirituais por quatro dias seguidos num local chamado “santuário”, onde existiam diversas imagens de entidades religiosas.
Informaram ainda que as lesões no corpo surgiram após os rituais e que a mancha de pó preto e tinta vermelha também são parte dos procedimentos, que duravam aproximadamente um hora.
Em depoimento, um dos curandeiros preso nesta manhã alegou que fizeram as “simpatias” com a criança para promover “cura”. Relatou que, de fato, queimaram a criança com cigarro e cinzas de cigarro quentes para invocar a entidades espirituais. Afirmou que a caneta vermelha era consagrada a entes espirituais e era utilizada para circular as lesões.
Após o quarto dia de rituais, a criança começou a ter febre e inchaço abdominal e foi levada a outra curandeira, que mora em aldeia no município de Miranda. Segundo relatos, esta “curandeira” seria conhecida por realizar rituais satânicos e magia negra. Na residência dela, a criança foi levada a um quarto onde foram entoados cânticos, invocando entidades de imagens espalhadas pelo cômodo. Também passaram óleo com sementes pretas do menino, mas ao fim do procedimento a mulher informou que o “santo” disse que “não era mais com ele” e que a família deveria levar a criança ao médico, o que foi feito.
Com isso, a polícia pediu a prisão preventiva dos quatro envolvidos. Hoje, equipes da Delegacia de Polícia de Miranda, com apoio de investigadores da 1ª Delegacia de Polícia Civil de Aquidauana, deflagraram a Operação Magia Negra e cumpriram os quatro mandados de prisão contra os pais da criança e os dois curandeiros. Eles serão indiciados pelos crimes de homicídio qualificado pelo meio cruel. As investigações seguem no intuito de identificar outros envolvidos.