Professores indígenas enfrentam desafios para ensino remoto nas aldeias

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A professora e pesquisadora indígena terena Maíza Antonio quer ensinar sua língua e sua cultura aos seus alunos da aldeia. Mas como fazer isso em tempos de pandemia, sem aulas presenciais?

Maíza mora na aldeia Cachoeirinha, em Miranda, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. A cidade tem oito aldeias e em cada uma delas há escolas indígenas – que, como todas as outras unidades escolares municipais, estão com aulas presenciais suspensas até julho, em decorrência da pandemia do coronavírus.

Professora Maíza Antonio, durante atividade remota: dificuldades para o ensino da cultura. FOTO: Luciano Justiniano.

Professores indígenas como Maíza estão preocupados com os impactos na pandemia no ensino da cultura e da língua terena. Nos últimos anos esforços conjuntos da própria comunidade, de organizações não governamentais e mesmo de governos locais têm buscado fortalecer a identidade cultural indígena terena, em especial promovendo a preservação da língua – segundo classificação da Unesco (Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a Cultura), a língua terena corre risco de entrar em extinção.

Todo este trabalho de fortalecimento da identidade cultural sofre prejuízos práticos com a pandemia e as aulas remotas. Sem ensino presencial, não há aulas de campo. “Não podemos levar as crianças para conhecer as árvores, para coletar sementes ao redor da escola e assim trabalharmos para reconhecerem as plantas”, diz Maíza Antonio, lembrando práticas que são usadas por professores indígenas nas escolas das aldeias.

Sem contato presencial, as atividades diferenciadas realizadas dentro das salas de aula também são prejudicadas. “Por exemplo não posso levar mais o urucum que eu levava para as salas para as crianças conhecerem a cor vermelha, para conhecerem o urucum, se é uma planta pequena, ou uma planta grande, ou uma planta rasteira. Algumas crianças não têm este conhecimento”, relata a professora Maíza.

Uma forma de resolver estes problemas seria utilizar suportes, como materiais didáticos que substituíssem as atividades práticas presenciais. Mas estes materiais não existem.

Embora a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) garantam aos povos indígenas o direito a educação escolar diferenciada e intercultural, isto não acontece na prática, por uma série de fatores e um deles é a falta de material didático específico para professores usarem em sala de aula. Sem material específico, não há educação diferenciada, porque o material usado nas escolas indígenas é exatamente o mesmo usado em escolas urbanas.

É neste ponto que encontramos o trabalho do Instituto de Pesquisa da Diversidade Intercultural (Ipedi), uma organização não governamental (ong) sediada em Miranda e que desenvolve projetos educacionais para “contextos socialmente complexos”, como é o das comunidades indígenas do Pantanal. Junto aos terenas, para enfrentar os desafios educacionais da comunidade em pandemia, o instituto está preparando a entrega de livros com conteúdo específico e em formato bilíngue, nas línguas terena e português.

Imagem de arquivo de quando o Kalivono era utilizado nas escolas indígenas. FOTO: Luciano Justiniano.

O livro, criado em formato de apostila, chama-se Kalivono (na tradução do terena para o português, quer dizer “criança”, mas também pode ser “avançamos um pouco mais”, a depender do contexto) e é resultado de um extenso trabalho de pesquisa e produção coordenado por profissionais em pedagogia e linguística do Ipedi com a participação de professores da própria comunidade terena de Miranda. Ao longo de meses, professores e pesquisadores participaram de oficinas para a construção do livro. O projeto recebeu prêmios nacionais e internacionais e foi adotado pelas escolas municipais indígenas de Miranda no ano de 2015. Agora o Ipedi anunciou a reimpressão do livro, que será entregue para crianças da educação infantil das aldeias locais.

“Com a ajuda da reimpressão do Kalivono, ali a criança vai conhecer sua identidade cultural, vendo as fotos que foram tiradas aqui mesmo na aldeia para ele ver a própria cultura como a dança do bate-pau”, afirma Maíza Antonio.

Por ser uma organização sem fins lucrativos, o Ipedi buscou doações para reimprimir o livro. Atualmente foram viabilizados recursos para reimpressão de um volume da obra, que tem dois volumes, um para cada semestre. O volume 1 que já foi garantido será distribuído para cerca de 500 alunos da educação infantil das aldeias terena de Miranda e região.

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