Jornalista de priscas eras, repórter de antanho, cidadão bonitense por titulação e paixão, escritor, poeta, seguidor do Senhorzinho e torcedor fanático do peixe.
Criado entre as morrarias da Bodoquena, Zé Bugre era um eletricista índio, autodidata. Sua partida deixou o legado de mais um trabalhador “invisível” que levou “luz” as regiões mais distantes nestas terras “…onde o Brasil foi Paraguai…”
Suas histórias serão lembradas em Bonito e no Pantanal do Nabileque, entre seu povo também anônimo.
Zé Bugre em sua “arte de levar a luz” aos rincões mais distantes nos remete há uma grande artista a “Conceição dos Bugres”.
Zé Bugre não gostava de dizer o seu verdadeiro nome, pois tinha orgulho do nome que ele mesmo havia lhe dado. A história ele me contou num dia qualquer ao ver, admirado e emocionado, em minha estante de livros, um dos “bugrinhos de cêra” da Conceição que ela imortalizou com sua arte. Foi quando indaguei sobre seu verdadeiro nome e ele com o bugrinho na mãos, me disse orgulhoso: Meu nome é Zé Bugre, igual o desce bugrinho aqui!!
Em época de pandemia onde tantos amigos tem partido ele morreu de AVC, em Bonito neste mês de março.
A morte do Zé foi para mim um choque, pois mais que um ex-funcionário, era como uma pessoa da família.
Ele nos ajudou a construir a rede elétrica do primeiro hotel fazenda, na rodovia do Turismo, lá nas bandas do Formosão. A Última vez que nos vimos foi na missa de sétimo dia do meu pai, na Igreja de São Pedro Apóstolo.
Eu e meu pai, Waldemar Martins, conhecemos Zé Bugre desde que chegamos a Bonito, na década de 90. Era uma pessoa educada, discreta e gentil, só perdendo a compostura quando tomava uns goles a mais. Nesta época, o Zé Bugre cravou sua contribuição como trabalhador do setor elétrico não só no hotel, mas na instalação da rede de energia elétrica da Rodovia do Turismo que era incipiente e “caia” muito prejudicando os moradores da região.
Fizemos um abaixo assinado e com um grupo de chacareiros juntamos o dinheiro para instalação da rede privada. Mais tarde, doamos a rede para a Energisa (antes Enersul).
O Zé trabalhou, em quase todos os grandes empreendimentos da região, Ilha do Padre ( Eko Park), Balneário do Sol, Camping Poliana ( hj Recanto).. em Bonito e no Pantanal de Nabileque. Naquele tempo, parecia que era o único eletricista da cidade e dessa região. Em todo lugar vc encontrava o Zé trabalhando.
Ele praticamente, “desaparecia” de Bonito em tempos de chuvas e ventanias quando era “festejado” como um Deus da eletricidade de tão requisitado. Pois havia muitas quedas de energia e se mandava para o Pantanal, de onde retornava renovado para lida diária em Bonito.
O Zé Bugre reaparecia no fim do ciclo das águas, quando a situação normalizava.
E nunca deixou ninguém na mão.
O Zé Bugre também gostava de se divertir, era namorador e tomava umas cachaças, especialmente, quando arrumava uma namorada nova e a levava pra dançar no Clube do Laço. Num belo dia, como quase sempre, ele passou da conta na cachaça quando retornou do banheiro a namorada jáhavia caído
fora e o deixado “solito”. Inconformado, ele foi bater na casa dela para tirar satisfação. A dona chamou a polícia.
Naquele tempo, Bonito não tinha o tanto de polícia, civil, militar, ambiental, municipal, subindo e descendo a Pilad de Rebuá, como tem hoje. Era somente uma viatura velha, o tal do camburão, daqueles que abriam a porta por trás e colocavam o preso.
A cidade era pequena e todos se conheciam. Quando a Polícia chegou na casa da namorada e viu o “tamanho da encrenca” o cabo ligou para “os patrões” nos pedindo ajuda par resolver uma “bronca”. Fui eu e meu pai pra cidade, mas não imaginávamos o ocorrido. O Zé Bugre que era um índio bravo e forte pra danar. Ficava descontrolado quando bebia e já havia
derrubado os 3 policiais na pernada e não conseguiam colocá-lo na viatura. Foi o Zé Bugre quem propôs se entregar aos policiais apenas com a minha presença e do meu pai. Chegamos na cena com os policiais acuando o Zé num muro em frente à casa da namorada. Ao nos avistar foi logo dizendo:
– Seu Waldemar não sou nenhum bandido! Eles querem que eu entre por trás do camburão, nunca entrei pela porta de traseira de um camburão. Assim eu não me entrego!!
Depois de alguns minutos de conversa convencemos o cabo e a guarnição, que também conheciam o Zé de longa data …de que ele poderia ir preso no banco da frente da viatura, a lado do motorista.
E assim foi feito! O Zé Bugre fez seu passeio pelas ruas de Bonito. Até chegar a cadeia “desfilando” pelas ruas abanando e dando de mão, para as pessoas que encontrava e o reconheciam por onde passava. No camburão ao lado do motorista até a delegacia. Não ficou preso. Prometeu não incomodar mais a moça.
Mas não era só o trabalho, cachaça e briga que faziam a fama do Zé Bugre. Era um excelente cozinheiro de um único e Inesquecível prato.
Sashimi a moda do Zé Bugre era feito com piraputanga ou dourado pescados no rio Formoso; era trabalhado em finas fatias servidas, geralmente com shoyu (molho de soja), condimentos como gengibre e guarnições simples.
O segredo do sashimi do Zé, além do peixe fresco, era o corte que executava com habilidade e maestria. Tirava somente o filé, cortado em tiras elegantes e finas. Uma delícia incomparável o “Sashimi a moda do Zé Bugre”.
Indaguei ao Zé como surgiu sua “vocação” para a profissão de eletricista:
– Ainda criança nas bandas da Serra da Bodoquena havia juntado uns fios elétricos e tomou um choque tremendo que o atirou ao chão como um coice. Curioso, decidiu, a partir dali descobrir como não levar choques, positivo e negativo, alta e baixa tensão… Nascia ali, aquele que mais tarde seria o eletricista de Bonito e Pantana!!
Meu caro Zé, não tivemos tempo para despedidas! Só queria te dizer que sempre o admirei e conheci um homem simples, trabalhador, honesto e um grande amigo.
Vai com Deus, meu irmão Zé Bugre!
Zé Bugre, conheci desde criança, convivi muito com ele na casa do Jesuino ( seu mestre) e da Marcia, que Jesus o receba com muita luz.